O contador da história
Mais um dia nos estúdios Herbet Richers, aos pés do Alto da Boa Vista. E mais um dia com Nelson Xavier (Chico), Rosi Campos (Cleide) e André Dias (Emmanuel). Hoje o set recebe de volta Fernando Eiras, que vive o prefeito de Uberaba – ele, Rosi e Nelson gravaram o primeiro encontro dos três lá na primeira semana de filmagem, no set de um hospital em Cascadura…
O diretor de fotografia Nonato Estrela: três etapas para cores e texturas (fotos de Ique Esteves)
De lá pra cá, o tempo passou. Na vida real – estamos na sexta, e penúltima, semana de filmagens – e no filme. A história começa em 1918 e chega até 1975. São quase 60 anos da vida de Chico. Daqui para a frente, as filmagens se fixam nas décadas de 60 e 70. Novos personagens entram em cena , trazendo novas participações especiais de atores e atrizes de primeiro time.
A passagem de tempo poderá ser percebida também na fotografia de Chico Xavier. “Sob a batuta de Daniel, dividimos o filme em três fases, que vão mudando ao longo das décadas que o filme percorre”, explica o diretor de fotografia Nonato Estrela. “De 1918 a 1931 é a que chamamos de a `fase do fogo`. Ainda não havia luz elétrica, portanto os tons da fotografia são barrocos, terrosos, muito claro-escuro”, diz Nonato. Na pré-produção, conta, uma reunião entre Daniel Filho, o diretor de arte Cláudio Amaral Peixoto, a figurinista Bia Salgado e ele, definiu esses tons do filme – e que também serão percebidos no cenário e nos trajes do elenco e das centenas de figurantes que participam de todas as fases.
A segunda etapa da história é um meio termo entre a “fase do fogo” e a época mais atual. Em 1944, já existe luz elétrica, mas é uma luz amarelada – e fotografia, cenário e figurinos seguem essa textura. Já a época do Pinga-Fogo – que está sendo rodada agora e se extende até o fim das filmagens – tem um tom mais frio, puxando para o azul e o cinza da cidade de São Paulo. A época da luz fluorescente.
Às vezes, um imprevisto tem de ser resolvido e encaixado nesta paleta de cores e texturas. Hoje pela manhã foi a vez da figurinista Bia Salgado solucionar um problema. A primeira cena terá continuidade dentro de um avião – que só será rodada no último dia de filmagem no Rio. Mas o problema é para hoje: inicialmente previsto em azul, cinza e pêssego – as cores mais frias da década de 70 –, o terno de Chico teve de ser substituído às pressas, por conta do interior do avião, que inicialmente teria suas cores originais mudadas – e combinariam com esta roupa . Mas, por falta de autorização para que isso acontecesse, teve de haver a mudança do figurino. Uma cena que só acontecerá daqui a 12 dias tem de ser perfeitamente decupada com toda esta antecedência…
Esse passeio pelas épocas através da luz, das cores e das texturas poderá ser visto quando Chico Xavier for para os cinemas. O que não será visto é o enorme cuidado com os detalhes que isso engloba – e que, muitas vezes, por pequenas coisas, atrasa um dia de filmagem. Hoje, por exemplo, antes do ensaio para a cena mais longa do dia – uma conversa entre Chico (Nelson Xavier) e Cleide (Rosi Campos) – uma simples mesa de lanche paralisou o set por uma hora. Daniel não gostou do que estava sobre ela e, enquanto a arte providenciava a mudança, ele se retirou para o camarim, deixando um clima tenso no estúdio. Na volta, a cena teve sete takes – ao contrário do que prefere Daniel: ensaiar muito e filmar em um único take, aproveitando a emoção do ator na primeira vez que roda.
Nelson Xavier – e seu Chico na casa dos 60 anos – emociona quem está no set a cada cena. Não apenas por sua semelhança com o personagem real, mas pela forma como vibra quando percebe que a cena foi boa. No fim deste longo diálogo, o ator deu um soquinho na mesa e gritou “yes!!!”. Daniel, do Video Assist, respondeu: “yes, Nelson, yes!”.
Esta cena foi presenciada pelo “contador” da história. O roteirista Marcos Berstein visitou o set pela primeira vez desde o início das filmagens, para acompanhar como a história que escreveu no papel tomou vida através de Nelson, Rosi e Fernando Eiras. “Maravilhoso, Nelson”, cumprimenta Marcos. “Adorei a peruca, está perfeita”, diz, referindo-se à famosa peruca que o médium, nesta época, teimou em usar. Sentado ao lado de Daniel no Video Assist, ele pergunta: “E aí, está funcionando?”, e Daniel faz um pequeno retrospecto de cenas marcantes, episódios da viagem e histórias que aconteceram em paralelo. E antecipa que está absolutamente confirmado o encerramento do filme em Uberaba.
Quem trouxe a boa notícia foi o produtor executivo Julio Uchôa, que chegou esta manhã da cidade mineira com tudo acertado para uma grande seqüência, que deve reunir 2.500 uberabenses como figuração na rua. Ele esteve reunido com o secretário de Desenvolvimento Econômico, João Franco, e acompanhado pelo filho adotivo de Chico, Eurípedes Higino. “Salve! Uberaba está conosco”, vibrou Julio, após o encontro.
O produtor-executivo Julio Uchôa, que chegou de Uberaba para dar a boa notícia, e Sylvia Ramos, da pós-produção: laptops e trabalho nos sofás do set
Marcos Berstein também gostou da notícia. O roteirista, que usou como principal fonte para o roteiro o livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior, adaptou a biografia à linguagem cinematográfica. E inseriu outras informações trazidas pela diretora-assistente Cris D`Amato. “Cris foi importantíssima porque provocava, estimulava e dava idéias”, conta Marcos, que confessa não ter sido fácil escrever este roteiro. “É uma vida inteira que percorremos, muitas épocas, muitas histórias. E tendo como personagem principal um homem que seguiu uma trajetória de vida suave, mas que impactava quem o conhecia, causava grandes emoções às pessoas com quem cruzou pelo caminho. Cada espectador vai encontrar a sua emoção em uma cena diferente”, diz o roteirista.“Quando você olha para uma pessoa e só vê paz, bondade, compaixão e tolerância, essa é uma pessoa especial.”
É esta pessoa – que começa menino com Matheus, entra na juventude e na fase adulta com Ângelo, e percorre a maturidade com Nelson – que a equipe está, há mais de 40 dias, aprendendo a conhecer.
PS: no fim do set, o maquiador Ancelmo Saffi, que também é artista plástico, deu um quadro de presente a Daniel. “Pelo carinho com que ele me trata”, disse Ancelmo. A tela, que mostra um homem criando, é dedicada ao diretor. “Me reconheci pelo tênis!”, brincou Daniel.
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