Segunda-feira, 22h. Um caminhão de entregas, com dois sofás que serão usados nas cenas de hoje, chega à portaria do estúdio Herbert Richers. O carregador se dirige ao segurança e pergunta: “O seu Chico Xavier está? Temos uma entrega pra ele…”.
A situação pode ser engraçada, mas o entregador não estava de todo errado. Durante as últimas seis semanas, a casa de Chico tem sido aonde está a produção do filme. Hoje – e até quinta-feira – sua casa é no estúdio Herbert Richers, na Usina, um velho conhecido do público brasileiro. Quem nunca ouviu a frase “versão brasileira Herbert Richers” no início de um filme certamente dormiu os últimos 40 anos. Ou não vê televisão. No mais importante estúdio de dublagem do país são produzidas mais de 150 horas de dublagem mensais, e vozes de atores como Bruce Willis e Eddie Murphy são, na versão brasileira, tão conhecidas quanto as originais.
Um nome que fez parte do elenco de Richers, no início da carreira, foi o de Daniel Filho! Ele era conhecido por ser um ótimo dublador e, conta a lenda, chegou a dublar de costas, acompanhando o movimento labial do ator pelo vidro do estúdio. Um de seus personagens marcantes no mundo da dublagem foi o do dr. Ben Casey (interpretado no original por Vince Edwards), na série de mesmo nome exibida aqui pela TV Excelsior. Em 2006, o diretor voltou no tempo para dublar Doc Hudson na animação Carros, de John Lasseter, que em inglês teve a voz de Paul Newman.
Mas a Herbert Richers foi Rede Globo e lá durante 12 anos ele produziu e dirigiu novelas. De Casarão a Dancin’Days. Seriados, de Ciranda, Cirandinha a Malu Mulher. Minisséries como Quem ama não mata a Primo Basílio. Mas lá também tem estúdios para filmagens – Daniel filmou ali como ator Boca de Ouro e dirigiu A dona da história, Partilha, Se eu fosse você, por exemplo – e hoje ele está de volta com a equipe de CX, que se dividiu entre o estúdio e várias salas para produção, direção, camarins, figurino e maquiagem.
Esta etapa das filmagens abre também um novo período a ser contado da vida do médium: a maturidade. Se em Tiradentes e Paulínia a história esteve voltada para seus primeiros anos, com Matheus Costa e Ângelo Antônio, a partir de agora Chico é de Nelson Xavier.
Nelson descontraído no set dos estúdios Herbert Richers (fotos de Ique Esteves)
A construção dos bastidores do Pinga-Fogo já está sendo levantada, bem ao lado. “Ontem vi pela quarta vez o programa original”, conta Daniel. “Desta vez me detendo especificamente na figura de Chico. É incrível como ele estava eloqüente, e mesmo com um jeito doce mostrava uma força e uma fluidez impressionantes”, completa.
Hoje o diretor passeou pela estrutura, fazendo algumas modificações técnicas: pediu para diminuir o espaço do switcher e acrescentar mais um corredor, apontou o local exato para a colocação dos monitores, entre outras especificações para a filmagem, que acontece depois de amanhã. Quando as cenas na casa estiverem encerradas, o lugar vai virar o centro espírita de Chico Xavier.
Este novo período abrange o fim da década de 1960 e a de 70, quando Chico já é uma personalidade conhecida nacionalmente e sua relação com o guia Emmanuel já atingiu um nível de trabalho incessante. E também muda a cenografia: detalhes como uma antiga televisão a válvula Philco, em preto-e-branco; um calendário original de 1971 do “Pôsto e Garage Luzitânia”; uma velha geladeira General Electric; uma antiga revista inTerValo, com a personagem Mônica, de Maurício de Souza, na capa… objetos de cena bem diferentes dos que foram mostrados nas duas primeiras fases do filme. Uma curiosidade: durante a pesquisa para encontrar a revista inTevValo, o diretor de arte Cláudio Amaral Peixoto deu com uma reportagem de 1969 sobre Véu de noiva, com uma foto do “galã” Daniel Filho…
Detalhes da época como a máquina de escrever, o telefone e o rádio e as fotos da família, com Chico jovem (Ângelo Antônio) e Carmosina (Carla Daniel)
Enquanto isso, no Video Assist, Daniel tenta “convencer” Cris D’ Amato a participar com ele de uma das cenas do filme. “Ah, não, de jeito nenhum”, refuta Cris. “Só vamos ficar lá, sentadinhos, e eles filmam a gente”, rebate Daniel. “De jeito nenhum!”, enfatiza ela. Vamos ver se na tela vão aparecer, lá no canto, o diretor e a diretora-assistente fazendo figuração…
O dia foi de Chico Xavier e Emmanuel, com a participação, na primeira cena, dos atores Guilherme Bernard e Matheus Guedes, como Eurípedes e Vivaldo, os dois filhos adotivos de Chico. Depois desta, só deu Nelson e André. Entre uma e outra das cinco cenas que filmaram, o intérprete de Emmanuel recita uma frase à professora de prosódia Babaya, que voltou ao Rio para acompanhar esta primeira semana da nova fase do filme: “Deus é pai, Daniel é filho e eu sou o Espírito Santo”, brinca André, referindo-se a seu personagem.
Bem no finzinho do set, Andre Dias – que já participou de vários musicais, como Rádio Nacional, Gota d’água e Ópera do malandro – solta a voz com Cole Porter. Pelo monitor – e pelo fone – Daniel, Babaya e o diretor de produção Luiz Henrique Fonseca vêem a cena e acompanham. O dia de Chico Xavier termina ao som de So in love…
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