Adeus em Uberaba
As filmagens de Chico Xavier se encerraram no sábado, 22 de agosto, em Uberaba, Minas Gerais. Embora o fim do set tenha sido celebrado no Rio, com todos os integrantes da equipe, a última cena foi mesmo rodada na cidade que acolheu Chico, deu ao médium respeito e reconhecimento nacional e que abriga seu corpo. Pela reação dos uberabenses que atenderam ao convite da produção, lotaram as imediações da Casa da Prece e reagiram emocionados à visão de Nelson Xavier como o personagem, Chico Xavier continua presente como nunca em Uberaba.
Como homenagem ao encerramento do filme, este blog tem, hoje, um convidado muito especial. O jornalista Marcel Souto Maior, que escreveu a biografia As vidas de Chico Xavier – que deu origem ao roteiro de Marcos Bernstein –, estava presente e assistiu ao último dia de filmagem. E escreveu, especialmente para os leitores do blog oficial, um texto sobre esse encontro emocionante.
CHICO DE VOLTA
Marcel Souto Maior
Dez horas da manhã de um sábado ensolarado e as ruas em frente à Casa da Prece – o centro de Chico em Uberaba – já estão tomadas de gente. Mulheres de vestido estampado, com chale nos ombros e lenço na cabeça, se misturam a homens de camisa xadrez ou listrada. Alguns usam sombrinhas ou chapéus de palha para se proteger do sol. Estamos de volta aos anos 1970, entre ônibus antigos e velhos amigos de Chico.
Este é o último dia de filmagem de Chico Xavier. Oito semanas depois do primeiro pedido de silêncio e do primeiro grito de ação no set, a equipe comandada por Daniel Filho se prepara para reproduzir uma cena que se repetia, todos os sábados, naquela mesma rua, diante da mesma casa simples: a chegada de multidões vindas de todos os cantos do país, em caravanas, para ver Chico, receber mensagens do além, beijar sua mão e ter a mão beijada por ele.
A população de Uberaba foi convocada para entrar em cena e um galpão, ao lado do centro, se transformou em camarim para a multidão de figurantes. Dona Augusta, Francisca, Rosário, cada uma guarda uma lembrança feliz do “Tio Chico”. “Ele me ajudou a criar três filhos”. “Ele doava roupa, colchão, enxoval completo pra gente. Tudo novo.” “Tio Chico não vai morrer pra nós.” Os depoimentos se repetem.
Nelson Xavier, como Chico, recebe flores e o carinho da população de Uberaba presente à filmagem, através desta senhora que, emocionada, conversou com o ator (fotos de Ique Esteves)
Antes do início da filmagem, dois jornalistas, de duas gerações diferentes, se encontram com Daniel Filho e Eurípedes, o filho adotivo de Chico, nos jardins floridos da Casa da Prece: Saulo Gomes – que tornou Chico uma celebridade nacional ao conduzir duas entrevistas com o médium no Pinga-Fogo, nos anos 1970 – e este jornalista que vos escreve e que, há exatos 15 anos, desembarcou neste mesmo lugar, cético à beça, para escrever uma biografia jornalística de Chico, As vidas de Chico Xavier…
Daniel festeja o reencontro com Saulo, velho companheiro de reportagem nos tempos da TV Tupi. Eles chegaram a transmitir juntos desfiles de carnaval direto da Av. Rio Branco, no Rio de Janeiro. “A gente entrevistava até poste porque as transmissões não tinham hora pra acabar”, lembra Daniel. Saulo – que não aparenta ter seus 81 anos – viajou de carro mais de 350 quilômetros para estar ali. “Não podia perder este dia por nada.” Ele observa a multidão e se impressiona com o que vê. “ Era assim, exatamente assim, que as ruas ficavam nos tempos de Chico”.
Da esquerda para a direita, Marcel Souto Maior, Eurípedes (filho adotivo de Chico Xavier), o jornalista Saulo Gomes e Daniel Filho
Um Nelson Xavier de olhos marejados e voz embargada grava a primeira cena do dia. Diante da mãe que busca mensagens do filho morto, diz uma das frases repetidas várias vezes pelo médium ao longo de sua vida: “O telefone só toca de lá pra cá…”. Na cena, seguinte Chico, ou melhor, Nelson, se senta no banco do jardim, entre suas roseiras, e folheia um dos 412 livros psicografados por ele: Busca e acharás, de André Luiz. Duas borboletas entram em quadro e enfeitam a cena. “Nelson está muito, muito parecido com Chico”, diz Eurípedes.
É como se sete anos depois da morte, o pai estivesse de volta.
Nelson no jardim de rosas de Chico Xavier na Casa da Prece
E chega o momento da segunda etapa das filmagens. O cenário agora é o refeitório fundado por Chico a dois quarteirões da Casa da Prece. Uma longa fila de “necessitados” se posiciona para receber pão e sopa pelas mãos de Nelson. Figurantes se misturam a freqüentadores reais destas distribuições que ainda acontecem toda semana. Uma das figurantes se emociona de verdade e desaba numa crise de choro. “Fiquei lembrando dele. É uma honra imensa poder fazer esta homenagem ao Chico. Tô muito, muito emocionada.”
Mas o momento mais emocionante ainda vai começar. Às 15 horas, a multidão convocada pelo rádio e pela TV ao longo da semana se aglomera diante da Casa da Prece para as filmagens da última sequência. Chico Xavier vai chegar, de Veraneio, acompanhado de sua amiga Cleide (Rosi Campos), vai acenar para a multidão e entrar no centro. Só isso.
Chico de volta…
A diretora-assistente Cris D’Amato e o produtor-executivo Julio Uchoa se revezam no microfone para comandar a massa através dos alto-falantes posicionados na rua. “Calma, gente… Não corram… Não empurrem. Abaixa esta sombrinha, por favor… Tirem os bonés, pelo amor de Deus. Chico está chegando… Ele tá vindo…”
Do alto de um carro de som, Daniel confere o quadro, checa as lentes e dá o ok.
A câmera posicionada no guindaste, a população que serviu de figuração para a cena diante da Casa da Prece e o carro de som, de onde a diretora-assistente Cris D’Amato e o produtor-executivo Julio Uchôa ‘comandavam’ a massa e Daniel conferia a cena
Chico chega com seus óculos escuros, o sorriso tímido, os gestos suaves. Desce do carro cercado pela multidão, acena e sorri para todos, como nos velhos tempos.
Nelson entra na casa e, quando sai de quadro, longe das câmeras, tem uma crise de choro. Em seguida, vai para o jardim, se senta sozinho num dos bancos e, talvez sem saber, faz o que Chico costumava fazer ali mesmo: apóia as mãos sobre as pernas e olha para o céu.
As filmagens lá fora, com os figurantes, ainda não terminaram quando Nelson faz um pedido: quer raspar o cabelo. Pedido feito e atendido na hora. A cabelereira Glória Maria cobre seus ombros com uma toalha vermelha e Nelson, já de roupão azul, começa a se despedir de seu personagem mais querido – o único que pediu para fazer na vida.
Os cabelos caem no chão da varanda da Casa da Prece e Eurípedes observa à distância. Nelson fecha os olhos mais uma vez e – de novo – posiciona as mãos sobre os joelhos. Vai assim até o fim, enquanto a equipe grava o último take do filme: uma imagem do jardim repleto de rosas plantadas por Chico.
A cabeleireira Glória Maria atende ao pedido de Nelson Xavier e raspa seu cabelo após a última cena
São 17h20 em ponto, quando Daniel dá o grito final: “Pronto. Agora acabou.”
Aplausos, abraços, a equipe festeja. Daniel entrega as últimas flores para Nelson, Rosi e para Guilherme Bernard, que viveu Eurípedes. “Obrigado. Muito obrigado a todos vocês.”
E todos agradecem de volta…
Daniel sai do centro e logo é cercado por câmeras e celulares. Sem pressa, distribui autógrafos e sorrisos e agradece a cada um pela participação no filme. O cronograma foi cumprido à risca, sem um minuto de atraso.
Julio Uchôa abraça cada integrante da equipe enquanto repete algumas de suas frases já clássicas, com o entusiasmo habitual: “Maior prazer. Um arraso.”
E foi mesmo.
Nelson Xavier resume com as seguintes palavras esta sua experiência:
Arrasador.
Arrebatador.
E encerra:
“Eu me sinto pleno.”
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