Quem foi esse homem singular, capaz de viver numa época de poucas luzes, numa região de parcos recursos naturais atrativos, de comércio pouco promissor? Por que a escolha de nascer num povo que não apresentava experiências místicas transcendentes, como, por exemplo, na Índia ou na China? Seria talvez o fato da experiência vivida pelo sofrimento do cativeiro enfrentado no Egito e depois na própria Palestina, desta deita com os romanos? Será que ele considerava o sofrimento, a submissão e o desejo do encontro com Deus estados de espírito importantes para a recepção de sua mensagem? Qualquer que tenha sido o seu motivo pessoal, foi naquele povo sofrido, e numa sociedade eminentemente teocrática que ele escolheu trazer sua mensagem profunda e transformadora.
Sua escolha mudou a face do mundo ocidental muito mais do que da região onde ele viveu, em todos os sentidos. Mudou a religião, a economia, os costumes, a visão do mundo e da Vida, e, principalmente a percepção de Deus. A Terra não seria como hoje é sem sua mensagem vigorosa, endereçada ao coração humano. Não sabemos como estaríamos sem ela, porém com certeza teríamos a necessidade de conhecer alguma outra mensagem renovadora e libertadora. O mundo oriental, face à globalização das culturas, também sofreu e sofre a sua benéfica influência, ampliando seus horizontes psíquicos e sociais.
Nem sempre foi possível ao ser humano aplicar verdadeiramente e com equilíbrio os preceitos cristãos. Coletivamente prevaleceu durante muitos séculos, e ainda prevalecem, os interesses egoístas e materialistas. Sua aplicação tem sido mais social que interna. A mensagem vem sendo gradativamente compreendida e aplicada pelos cristãos, porém de forma muito lenta e com pouco compromisso com a transformação interior. Por não haver um centro diretor (ainda bem que não há), mas vários, o cristianismo vem se desenvolvendo de forma heterogênea, de acordo com o desenvolvimento particular de seus profitentes.
Esse é um dos motivos pelo qual creio ser imprescindível o investimento do cristão em si mesmo, no seu mundo psíquico, na sua vida psicológica e espiritual. Na compreensão de si mesmo e de seus processos internos.
De quem estamos falando?
De um homem espontâneo, aberto ao relacionamento, numa sociedade submetida a uma religião formal e legalizada, que ditava o certo e o errado, e que provocava o cidadão constantemente a se perguntar o que era lícito ou não fazer. Estamos falando do conhecedor da alma, psicólogo por natureza, senhor dos Espíritos, pois tinha a capacidade de falar direto à consciência, ao inconsciente, à psique, ao Espírito. Um homem realizado e centrado.
De um homem alegre e cheio de vida, sem preconceitos ou dificuldades para entender seu semelhante e ao mundo. De uma pessoa singular, sem ser arrogante e que vivia com e como sua cultura o ditava.
De um homem que agia naturalmente, sem máscaras, coerente e comprometido com sua missão. Capaz de levar às ultimas conseqüências aquilo em que acreditava. Um homem comum, nem, Deus nem semi-deus, nem mito e nem embusteiro. Um homem que, pela sua nobreza, foi utilizado, como todo missionário, como referencial de projeção de mitos e heróis, pela própria necessidade da sociedade.
De voz suave e firme, de olhar meigo e penetrante, de gestos suaves e decididos, semblante calmo e altivo, ele pregava sem impor, atingindo o coração do ser humano pela autoridade moral e pela sabedoria de que era portador.
Visão subjetiva das parábolas
Pode aplicar várias interpretações às parábolas do Cristo. Sempre que feitas com amor e para o amor, elas terão sentido. O conteúdo das parábolas e das suas entrelinhas é arque típico, portanto, comporta muitas interpretações, inclusive percepções aparentemente contraditórias. Tais diferentes percepções foram motivo de desavenças, por séculos, entre católicos e protestantes, ambos, intérpretes de uma mesma mensagem.
Seu sentido fundamental pertence à essência arque típica do ser humano, estando presente nas mais diversas culturas, filosofias e religiões. Na sua essência encontramos as mensagens do Bem, do Amor, do respeito à Vida, da busca do encontro consigo mesmo, da comunhão com Deus, as quais estão presentes na alma humana e nas manifestações culturais da humanidade.
O encontro do ser humano consigo mesmo, seu processo de auto-conhecimento, de auto-descoberta, de autotransformação, é a tônica dos ensinamentos das grandes religiões da humanidade. Tudo que se faz, tudo que se pensa, tudo que se escreve ou se sente, é feito em função do ser humano e para o ser humano. O ser humano não é só medida de todas as coisas, mas é também o sentido de todas as coisas.
O significado essencial da mensagem do Cristo é a busca do Si mesmo. É o ser humano na sua incessante preocupação de entender-se, de justificar sua própria existência. Se quiséssemos resumir a mensagem dele, poderíamos dizer que seu objetivo é reestruturação psicológica do ser humano em vistas à própria evolução.
Seguir ao Cristo, portanto, é vivenciar sua mensagem na vida íntima, familiar e social. É viver sua própria vida como ele viveu a dele. É descobrir-nos em meio às influências coletivas que nos levam apenas para fora de nós mesmos.
Sua mensagem se destina à alma dotada de razão, emoção e intuição. Não se dirige apenas a um grupo de seguidores ou ao estabelecimento de uma casta de adeptos e crentes. Impregnar a mensagem do Cristo no coração humano não quer dizer a instituição de uma religião com adeptos e fiéis ortodoxos que vivem em seu nome. Mas a transformação de pessoas que encontraram o sentido real de suas vidas e se dispõem a vivê-lo externa e internamente.
A psicoterapia do Cristo
A psicoterapia aplicada pelo Cristo era a sua própria personalidade. Impunha-se pelo exemplo e pela autoridade moral. Não trouxe um método ou uma técnica padronizada de busca ou de cura, como se lidasse com máquinas. A cada um de acordo com suas necessidades evolutivas. Agia com firmeza quando o momento exigisse, com brandura quando a situação comportasse e com silêncio quando o assunto não merecesse palavras.
Sua personalidade superior exalava amor e equilíbrio. Sua presença derramava fluidos curadores no ambiente. Quem com ele manteve contato nunca mais foi o mesmo. Ele curava e provocava reflexões íntimas naturalmente. Estar em sua presença significava ter que refletir sobre os mesmo. Ele tocava a alma.
Ele não deve ser tomado como um psicólogo comum. Sua técnica não está mencionada nos livros das academias, principalmente pela inexistência de um padrão de atendimento às pessoas que o procuravam. A um questionamento, devolvia com outro, o que obrigava o interlocutor a perceber seu próprio processo.
Não julgava nem criticava, mas levava o outro a perceber-se e a enxergar-se, não apenas no comportamento social, mas, principalmente, na sua consciência. Infalível técnica de colocar-se diante do outro como um espelho neutro, que deve refletir aquilo que lhe é mostrado. Se havia alguma, essa era a técnica.
Sua mensagem portanto, além de levar-nos a uma conduta social harmônica, convida-nos inadiavelmente a iniciarmos uma auto-análise e uma autocrítica. Mais do que viver bem em sociedade, ela os conduz a viver em paz com nossa própria consciência, examinando-a constantemente.
A psicologia adotada pelo Cristo é sempre atual, pois penetra as raízes do Espírito. Não é uma psicologia fisiológica ou mentalista, mas baseada na subjetividade da psique humana. Uma subjetividade não inferida, mas auto-percebida e auto-sentida. Qualquer entendimento que tenhamos da psicologia, isto é, qualquer escola que se adote, a interpretação da mensagem poderá ser feita sem prejuízo de sua essência. É uma psicologia profunda e transformadora. Leva-nos à compreensão da necessidade de mudança e renovação. Quem entra em contato real com sua mensagem exige-se transformação. Obriga-se a uma revisão de valores internos. Aqueles comportamentos que antes se davam por imposições sociais, passam a ocorrer por um sentido íntimo de consciência superior da Vida.
O cristão não muda por ser cristão, mas por compreender um sentido e um objetivo de Vida. A partir dessa percepção, dizer-se cristão, isto é, rotular-se é secundário, não essencial e dispensável.
É uma psicologia para o corpo e para o Espírito. Compreende a vida consciente e a inconsciente. Ela não exige o corpo perfeito nem o corpo sadio, mas o corpo respeitado e bem cuidado. Respeitado nos seus limites e nas suas deficiências. Bem cuidado pela busca constante em colocá-lo o mais apto possível ao bom desempenho nas experiências que a vida exige. Para o Espírito, por dirigir-se diretamente a ele, a quem cabe o cuidado com o corpo, seu instrumento de percepção do mundo consciente.
Características da mensagem do Cristo
Sua mensagem transformadora e educativa é portadora de alegria e amorosidade. Aquele que sente a mensagem do Cristo mostra sua alegria interior nos a tos mais simples da vida. Sua vivência não é uma demonstração para que o vejam, pois é dirigida para o interior de si mesmo. Ela é vivida de forma natural, espontânea, sincera e sadia. Nos seus momentos de irritação, ele não permite que a alegria interior seja subtraída por muito tempo. Indigna-se porém não perde o objetivo do seu estado de espírito natural. Permite-se a contrariedade, porém logo se refaz.
Sua mensagem é preventiva e curativa. É um código de ética espiritual e de felicidade pessoal. O cristão sincero sabe que vivenciar a mensagem o prepara melhor para muitos males e aflições, com os quais naturalmente terá que aprender a viver. Pensar e sentir como um verdadeiro cristão coloca-nos em contato com o mais alto código de Vida, trazendo-nos paz e felicidade. O máximo de felicidade alcançada na Terra.
Seu exercício e sua vivência colocam o ser humano em contato com as forças superiores do universo. Os Bons Espíritos naturalmente procurarão intuir, para as mais nobres missões, aqueles que vivenciam sinceramente as mensagens do Cristo. A mediunidade intuitiva será a forma mais comum de captação das benéficas influências com o Mundo Espiritual Superior, para aqueles que sinceramente vivenciarem a mensagem do Cristo.
A mensagem do Cristo tem sido divulgada concitando as pessoas à fraternidade, à solidariedade, à comunhão, à consolação, à ajuda mútua e à assistência recíproca. Deve também ser vista como poderosa força de transformação e de vontade de mudança pessoal. Verdadeira alavanca para a motivação e a movimentação da energia que impulsiona o ser humano a viver, também conhecida pelo nome de energia psíquica.
Allan Kardec escreveu que a mensagem endereçada pelo Cristo é um "roteiro infalível para a felicidade". É "uma regra de proceder que abrange todas as circunstâncias da vida privada e da vida pública, o princípio básico de todas as relações sociais que se fundam na mais rigorosa justiça." De fato, é uma regra de proceder na vida pública (norma externa) como também na vida privada (norma interna). Quando a norma interna alcança o patamar em que o indivíduo atinja espiritualidade nas suas atitudes, ele será capaz de fazê-lo viver externamente bem na sociedade.
Alcançar espiritualidade é viver consciente da imortalidade da alma, compreender as atitudes humanas, respeitando inclusive os equívocos do outro, agir com calma e equilíbrio diante de situações adversas, ter fé e esperança num mundo melhor, utilizar-se da razão e do sentimento na análise das situações, confiar na presença dos Bons Espíritos em sua vida, buscar o crescimento pessoal e ocupar-se em proporcionar que outros o façam, agir para com o próximo da mesma forma que gostaria que agissem consigo, dentre outras atitudes.
A mensagem do Evangelho nos convida à busca da alegria além do prazer efêmero. Eleva-nos a alma além das circunstâncias materiais, dando um sentido (objetivo) para a Vida. Um sentido espiritual, que vale para o além, para a eternidade, para o aquém e para o presente. Como mensagem crista, o Espiritismo traz um conteúdo que deve nos levar à felicidade, como um estado de espírito, ainda enquanto encarnados. Os princípios espíritas devem ser perseguidos para utilização aqui e não apenas no além. Vivê-los no presente, para o presente, conseqüentemente para o futuro.
Podemos observar que os primeiros cristãos, face ao fulgor que brotava da essência da mensagem, por muitos séculos, ante ela, permaneceram admirados e em êxtase. Buscavam vivê-la sem consciência de sua transcendência e magnitude. Isso ocorreu durante os primeiros séculos depois de Cristo. Mais tarde, já refeitos do primeiro impacto, politizaram e racionalizaram a mensagem. Transformaram-na em religião do Estado, oficial e obrigatória. O que ainda perdura até hoje, porém sem obrigatoriedade inicial. Em paralelo a estes, por muitos séculos também, apareceram os sectários e inquisidores que transformaram a mensagem em instrumento de punição e terror, agindo frontalmente contra sua essência de amor e paz. Logo depois, em oposição aos anteriores, surgiram os questionadores e reformadores que buscavam depurar a mensagem, porém deixando ainda marcas que a manchavam. Protestaram, provocando reações contrárias que fomentaram guerras que ainda ocorrem em nossos dias. Com o advento do Espiritismo podemos notar o surgimento de uma quinta e última geração de cristãos, preocupados em viver plenamente a mensagem, Estes últimos, embora, às vezes, apresentem as mesmas tendências das outras gerações, até porque são os mesmos que retornam pela reencarnação, se perseguirem o propósito de aplicarem-na a si mesmos, alcançarão a iluminação apregoada pelo Cristo.
A mensagem crista, e, portanto, a espírita, pela sua capacidade de alcançar o consciente e, principalmente, o inconsciente humano, permite que a vida seja vista de um ponto de vista mais claro e menos pesado para o Espírito. O Espiritismo é uma doutrina leve e suave que faz com que os conflitos e problemas das pessoas sejam encarados da mesma forma.
Além de outros objetivos superiores, creio que a mensagem do Evangelho contém o propósito de que o ser humano alcance espiritualidade, também enquanto encarnado.
Autor: Adenáuer Novaes (Do Livro "Psicologia do Evangelho")
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